domingo, 20 de fevereiro de 2011

Corrida em Porto Príncipe

Nas ruas lotadas de Bel Air, estão todos aplaudindo em suas janelas ou portões. Ou em cima de escombros e lixo. Todos, também, com um sorriso no rosto, inclusive os adultos, transformando a cena em algo raro nos últimos tempos no Haiti. São 360 haitianos, além de outros 190 estrangeiros, correndo pelas vielas de um dos bairros mais pobres e violentos de Porto Príncipe. Em uma corrida de 6km organizada pelo Exército brasileiro, pela ONG Viva Rio e pela Prefeitura de Manaus, pouco importa o resultado. Em um país acostumado a perder, o escape na manhã de domingo parece perfeito de qualquer maneira, sem importar o fim.


Cerca de 360 haitianos participaram da corrida de 6km neste domingo (Foto: Antonio Lima / Divulgação)No Haiti, reconstrução talvez seja a palavra mais usada. Em 2010, destruído pelo pior terremoto de sua história logo no início do ano, o país caribenho só teve motivos para lamentar. Sofreu com a ameaça do furacão Tomas; com os quase quatro mil mortos pela epidemia do cólera; e com o nascimento de uma nova crise política, com acusações de fraudes nas eleições e violência pelas ruas. No meio de tanta desordem, uma série de iniciativas espalhadas por Porto Príncipe tentam fazer do esporte uma alternativa para o povo haitiano. Vencedor da corrida de domingo, o corredor amador Baptiste Jean Robert, de 42 anos, festejou o alívio.

- Acho que, hoje, represento todos os haitianos. Sou um atleta amador, já corri na Venezuela, em Barbados e em outros lugares. Estou muito contente por ter uma corrida por aqui. Nunca vi uma festa como essa, com as pessoas correndo sem medo da violência.


Haitiano se prepara para histórica corrida nas ruas
de Porto Príncipe (Foto: Antonio Lima / Divulgação)Acostumado a tantas vitórias, Claudinei Quirino há anos não participava de uma corrida. Prata nos Jogos de Sydney, em 2000, conquistou sua última medalha em 2005. Topou ir para o país para a Jornada Haitiana do Esporte Pela Paz, mas disse que não queria correr. No entanto, aceitou participar da largada e avisou que só estaria no primeiro quilômetro. Mas não aguentou quando viu a torcida na rua e resolveu completar o percurso.

- Todo mundo sabe que eu não corro 5km, 6km. Dei uma andadinha e ia parar, mas tinha que terminar. Você vê tanta tristeza... Foi a primeira vez que vi adultos dando risada desde que cheguei aqui. Ninguém veio para ganhar, e, por isso, todos são vencedores. Estamos mostrando que é possível mudar. Desde que cheguei, só tenho passado por coisas especiais. Aqui, tudo é superação. Quando você perde, sente dores em tudo quanto é lugar. Hoje não sinto nada. E eu não cheguei em último – disse o ex-velocista, que completou o percurso em 36 minutos e teve a companhia do também corredor Sandro Viana, do nadador Luiz Lima, do triatleta Nilo Arêas, da ginasta Dayane Camillo, do ex-jogador de vôlei Nalbert, do piloto Antonio Pizzonia e do lutador José Aldo.

Esporte como forma de reconstrução


Brasileiros e outros estrangeiros também correram
em Porto Prícipe (Foto: Antonio Lima / Divulgação)A corrida de domingo faz parte de uma série de projetos que buscam, no esporte, um caminho para resgatar o orgulho do haitiano. Em um país apaixonado por futebol, é para dentro das quatro linhas que estão voltados os principais esforços. No quartel brasileiro, meninos haitianos fazem escolinha todos os sábados. Na cidade de Bon Repos, um novo Centro de Treinamento está sendo construído para incentivar o nascimento de novos craques.

Técnico da seleção masculina do Haiti, Edson Tavares também faz parte do projeto. Depois da parceria da Federação com a ONG Viva Rio, o treinador chegou para tentar fazer evoluir o futebol local. Após a construção do CT e a reforma do estádio Sylvio Cator, o treinador sonha com a volta do time do Brasil para Porto Príncipe.

- A importância (da volta da Seleção ao Haiti), para ser honesto, é tentar dar um acalento à população. Está todo mundo com muito medo ainda, por conta dessa instabilidade política.

Presidente da Federação de Futebol do Haiti, Yves Jean-Bart, porém, tem sonhos mais humildes. Para o dirigente, a miséria no país não atrapalha o crescimento do esporte. Mas faltam campos.

- Nós comemos uma vez por dia e já está bom. O que nos falta são campos. Não temos boas condições, não temos campos.

Outros esportes não têm local para prática


Nalbert foi um dos brasileiros que prestigiaram o
evento (Foto: Antonio Lima / Divulgação)Se, para o futebol, as coisas são difíceis, para os outros esportes, o panorama é ainda pior. Nas últimas Olimpíadas, em 2008, em Pequim, apenas sete atletas do país conseguiram vaga. Foram dois no judô, um no boxe e outros quatro no atletismo. Na história, foram apenas duas medalhas, uma de prata e outra de bronze.

Depois do terremoto, no entanto, a situação ficou ainda pior. Com o surto do cólera, não há piscinas para a prática da natação na capital: todas estão destruídas ou fechadas devido à epidemia. Também são poucos os lugares disponíveis para treinamentos. Durante o evento de domingo, atletas brasileiros ministraram clínicas de esporte para crianças após a corrida, na sede da ONG Viva Rio. Foram quase duas horas de aulas de vôlei, atletismo, lutas, e danças. Ex-capitão da seleção masculina de vôlei, Nalbert se disse privilegiado por poder ajudar de alguma forma na reconstrução do país.

- É uma experiência única, uma das mais marcantes que eu já vivi. Chegar no Haiti e participar disso é especial. Nós estamos plantando uma sementinha. Eles ainda têm necessidades básicas, só pensam na próxima refeição. Mas o esporte ensina valores que eles precisam para reconstruir o país – disse o ex-jogador.

O representante do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti, Edmond Mulet, diz que a iniciativa brasileira é um passo para a mudança deste quadro.

- Hoje eu vejo o Haiti tomado por alegria. Há um esforço muito grande para o crescimento do esporte. Há um enviado especial da ONU que quer vir para o Haiti para ver os projetos. Ele está muito motivado para implantar isso em outras áreas de risco, como Afeganistão, Beirute, Irã... O esporte tem de estar presente em todos os lugares.

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