sexta-feira, 15 de abril de 2011

Futebol: conheça a história do juiz travesti


No fim da década de 80, no Rio de Janeiro, um árbitro passou a se destacar no futebol carioca. Jorge José Emiliano dos Santos ficou conhecido por conta de seu comportamento irreverente ao apitar as partidas – tanto ao marcar faltas e distribuir cartões, geralmente com gestos exagerados, quanto por um andar espalhafatoso pelo gramado. Apelidado de ‘Margarida’ e homossexual assumido, era considerado um juiz de bom nível técnico. Faleceu em 1995, aos 41 anos, vítima de complicações provocadas pela Aids, mas já estava no imaginário do futebol carioca. Quinze anos mais tarde, em Beberibe, município de aproximadamente 49 mil habitantes e a 75 quilômetros de Fortaleza, no Ceará, outro homem do apito vem dando o que falar.

Valério Fernandes Gama, de 32 anos, não esconde de ninguém a sua opção sexual e é a atração da Liga Municipal Beberibense. Natural de uma família de oito irmãos é o único a morar com seus pais. A mãe aceita a condição do filho, mas seu pai desaprova. No entanto, o árbitro garante que a relação em casa é amistosa.

Valério com seus colaboradores- Quem nasce homossexual, nasce homossexual, não é incentivado por ninguém. Com 15 anos assumi definitivamente minha opção sexual.
Se durante o dia cumpre seus afazeres e ajuda nas despesas da casa, à noite ele se transforma. Como se exorcizasse todos os fantasmas se veste como se sente bem e conta como gosta de ser chamado ao sair para a balada.

- É um espírito que baixa. Eu me visto de mulher mesmo. Todos aqui me reconhecem à noite também. Gosto de ser chamado de ‘Laleska Valéria’. Sou o único que não faço programa, tenho minha vida normal. Alguns travestis, meus amigos, até me aconselharam a mudar de vida, fazer programa, ir para a Espanha, mas sou contra isso. Tenho amizade com eles, mas não concordo. Quero ter minha vida normal, respeitando opinião de todos.

O árbitro garante que, no campo, jamais foi desrespeitado pelos jogadores.

- No futebol, por incrível que pareça, nunca sofri nenhum caso de preconceito. Fora que, todos que não me conhecem, acham que sou mulher. Depois que descobrem que sou homem, ficam, ainda mais espantados – revelou.

Entretanto, Valério não esconde que a cada jogo sofre com provocações de torcedores e que, inclusive, já deixou dirigentes irritados.

- Eu não ligo, pois são milhares de torcedores. Acontece sim, mas não pode nem dar ideia. Quanto a dirigentes, apenas discussão, pois eles acham que o time deles foi prejudicado, então discutem, acham que a gente errou. Mas depois, com a cabeça mais fria, até elogiam. Se não quiser encarar, não vai para o campo. Encaro, de qualquer forma, de todo o jeito.

Em uma oportunidade, para Valério, sobrou até um puxão de cabelo…
- Uma vez aconteceu de um torcedor puxar meu cabelo, mas depois, no dia seguinte, encontrei-o na rua, fazendo compras aqui em Beberibe. Fui conversar com ele, que se arrependeu e pediu desculpas. Mas tem vezes que dá vontade de dar uns cascudos sim, revidar.

Uma vez aconteceu de um torcedor puxar meu cabelo, mas depois, no dia seguinte, o encontrei na rua (…) Fui conversar com ele, e me pediu desculpas”

Aos16 anos, Valério tomou gosto pelo futebol ao acompanhar a Seleção Brasileira na conquista do tetracampeonato mundial, em 1994, nos Estados Unidos. No entanto, se tornou árbitro graças à sua baixa estatura.

- Entrei no futebol para ser goleiro. Comecei no Abec (Associação Beberibense Esporte Clube), mas era muito baixo. Um dia teve um jogo entre a minha equipe e um time que se chama Caetano, pelo Campeonato Municipal de Beberibe, e eu era o terceiro goleiro. Mas o árbitro faltou. Então o treinador do meu time, Jorge Farias, pediu para que eu apitasse. Não sabia regra nenhuma, mas ele foi-me orientando. A partir daí me interessei por arbitragem e passei a aprender as regras, inclusive com amigos juízes formados.

Grato ao prefeito de Beberibe, Odivar Facó, de quem recebeu a primeira oportunidade de apitar, Valério sonha em entrar para o quadro profissional da Federação Cearense de Futebol e arbitrar na Primeira Divisão estadual.

- Sou da Federação de Beberibe. No momento, só apito partidas amadoras, ainda não fiz o curso de arbitragem, pois a verba é alta, mas pretendo conseguir este ano. É mais ou menos uns dois mil reais, aqui no Ceará.

Coordenador de projeto social fora dos gramados
Fora das quatro linhas, Valério é funcionário da prefeitura local. Vestido a caráter, como faz questão de ressaltar, coordena projeto social voltado para o turismo, uma vez que Beberibe é uma cidade litorânea com belas praias e dunas.

- Todos conhecem minha vida, minha história, e me respeitam. Não há preconceito. Coordeno jovens guias turísticos mirins. O nome é ‘Projeto Jovem Guia’. Durante meu trabalho na prefeitura, me comporto e me visto como homem.

Fonte: Globoesporte

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